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O Direito ao Alongamento das Dívidas Rurais em Contexto de Frustração de Safra: Análise Jurídica e Econômica da Situação no Rio Grande do Sul (2020–2025)

  • Foto do escritor: Velo XP
    Velo XP
  • 4 de jul.
  • 3 min de leitura

O presente texto examina o direito ao alongamento das dívidas rurais nos casos de frustração de safra provocada por eventos climáticos extremos, com foco no contexto específico do Rio Grande do Sul entre os anos de 2020 e 2025.


Fundamentado em dados econômicos consolidados e em normas jurídicas aplicáveis, como o Manual de Crédito Rural (MCR), a Resolução CMN nº 4.883/2020 e a Súmula 298 do STJ, se propõe uma análise jurídica da obrigatoriedade de prorrogação da dívida rural em razão da incapacidade de pagamento do produtor. Demonstra-se, ainda, que a recusa injustificada das instituições financeiras em renegociar configura prática abusiva e ilegal.


A atividade agrícola no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, é fundamental para a segurança alimentar e para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional.


No entanto, fatores climáticos extremos vêm comprometendo severamente a produtividade, a renda e a capacidade de endividamento dos produtores rurais. Diante desse cenário, torna-se imprescindível compreender os instrumentos legais existentes para viabilizar a sustentabilidade econômica da produção, entre os quais se destaca o alongamento das dívidas rurais.


Conforme dados do Diagnóstico do Endividamento Rural no Rio Grande do Sul elaborado pela FARSUL (2025), o Estado enfrentou cinco anos consecutivos de adversidades climáticas, com forte impacto na produtividade das principais culturas agrícolas. Estima-se que as perdas entre 2020 e 2024 tenham alcançado 40,6 milhões de toneladas de grãos, resultando em uma redução de R$ 106,6 bilhões no faturamento agrícola.

A legislação brasileira é clara ao prever, em casos de frustração de safra ou outras ocorrências adversas, o direito do mutuário rural ao alongamento das dívidas decorrentes de operações de crédito rural.

Esse direito é reconhecido expressamente pela Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece que o alongamento da dívida rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas sim um direito do devedor:

Súmula 298/STJ. O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.


No mesmo sentido, o item 2.6.4 do Manual de Crédito Rural (MCR) reforça essa obrigatoriedade. A norma autoriza a prorrogação da dívida independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, desde que comprovada a incapacidade de pagamento do mutuário, com base em um ou mais dos critérios abaixo:

4 - Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é autorizada a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de:

a) dificuldade de comercialização dos produtos;

b) frustração de safras, por fatores adversos;

c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (grifado)

Além disso, a Resolução CMN nº 4.883/2020 dispõe sobre a possibilidade de alongamento das operações de crédito destinadas ao custeio agrícola, estabelecendo condições específicas para sua formalização:

15 - Admite-se o alongamento e a reprogramação do reembolso de operações de crédito destinadas ao custeio agrícola, observadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá solicitar o alongamento após a colheita e até a data fixada para o vencimento;

b) o reembolso deve ser pactuado em observância ao prazo adequado à comercialização do produto e ao fluxo de receitas do beneficiário;

c) o produtor deve apresentar comprovante de que o produto está armazenado, mantendo-o como garantia do financiamento;

d) em caso de operações classificadas com fonte de recursos controlados, deve ser realizada a reclassificação para recursos não controlados.


À luz dessas normas, os tribunais têm reiterado que, para que o direito ao alongamento seja reconhecido judicialmente, é essencial que, além do enquadramento da operação, se demonstre:

  • Envio prévio de pedido administrativo à instituição financeira, antes o vencimento do débito;

  • Comprovação da ocorrência dos fatores que levaram a incapacidade do pagamento do débito;

  • Apresentação de cronograma para pagamento da dívida dentro da capacidade do produtor ou da empresa do ramo.

Na hipótese de recusa infundada ou ausência de resposta por parte da instituição financeira, abre-se ao produtor rural o caminho para buscar o reconhecimento judicial desse direito, inclusive com pedido de liminar para suspender a cobrança da dívida.

Importa destacar que o produtor rural afetado por perdas severas não pode ser equiparado a um inadimplente comum. A legislação reconhece a vulnerabilidade da atividade agrícola a fatores externos e assegura instrumentos jurídicos específicos justamente para preservar sua continuidade e viabilidade econômica.


Luana Breda

Advogada – OAB/RS 90.691

Breda & Breda Advogados


Referências

- BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 298.

- BRASIL. Banco Central do Brasil. Manual de Crédito Rural (MCR), item 2.6.4.

- BRASIL. Resolução CMN nº 4.883/2020.

- FARSUL. Diagnóstico do Endividamento Rural no RS, 2025.

- Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

 
 
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